Em Setembro será lançado um seu novo ensaio, intitulado 'Pai Nosso que Estás na Terra'... de que trata este seu novo trabalho?
É evidente que Deus é sempre o outro, e faz todo o sentido continuar a dizer que Deus está nos céus... Mas a provocação do título é para ajudar a ver como Deus se intromete na história que vivemos. Nós tropeçamos na questão de Deus em muitos momentos da nossa vida, e, nesse sentido, acho que há uma espécie de património que crentes e não crentes partilham, acerca de Deus, que é a interrogação e a procura.
É académico, ou seja, um investigador científico das coisas, e um padre, alguém que acredita numa religião revelada e procura transmiti-la aos outros. Isso tem sido um dilema para muitos, que têm progressivamente abandonado a crença em Deus.
É académico, ou seja, um investigador científico das coisas, e um padre, alguém que acredita numa religião revelada e procura transmiti-la aos outros. Isso tem sido um dilema para muitos, que têm progressivamente abandonado a crença em Deus.
A fé e a razão são realidades diferentes, com caminhos que lhes são específicos, mas não são inconciliáveis. Na tradição cristã, diz-se que a própria fé procura as razões. E ela é sustentada numa razão que não é puramente de tipo racional, mas inclui também as razões de tipo racional. Nesse sentido, é muito importante, por exemplo, retomarmos o famoso discurso de Bento XVI na Universidade de Ratisbona, em que ele diz que o Cristianismo deriva dos profetas judaicos, mas também dos filósofos gregos. Isto é, Deus não é irracional, e não podemos pressupor uma irracionalidade para chegar a Deus. O crente não nega a razão, pelo contrário, abre-se a ela e procura que seja a razão a sustentar a sua acção, a sua presença na história.
Mas há muita irracionalidade na religião.
Mas há muita irracionalidade na religião.
O papa Bento XVI nesse discurso pronuncia-se precisamente contra uma das formas mais terríveis de irracionalidade em nome do religioso, que é a violência. Acreditarmos que pode haver uma guerra santa, ou que podemos matar em nome de Deus. O cristianismo é feito de revelação mas também de pensamento. E nestes dois mil anos de história temos São João da Cruz, temos os místicos, mas também temos São Tomás de Aquino, Santo Agostinho, que são espíritos profundamente analíticos e racionais. De certa forma, há uma complementaridade entre a razão e a mística.
Se bem que as justificações lógicas que se tentou encontrar, nos casos de São Tomás de Aquino e Santo Agostinho, foram sucessivamente analisadas e consideradas falhas em muitos aspectos. Permita-me contrapor com pensadores como Bertrand Russell, autor, inclusive, do ensaio 'Porque não sou cristão'. Penso que aceita basicamente a realidade de que as religiões reveladas não têm actualmente um sustentáculo, em termos históricos, como se chegou a crer noutros tempos. Ser crente hoje é apenas e basicamente uma questão de fé?
Se bem que as justificações lógicas que se tentou encontrar, nos casos de São Tomás de Aquino e Santo Agostinho, foram sucessivamente analisadas e consideradas falhas em muitos aspectos. Permita-me contrapor com pensadores como Bertrand Russell, autor, inclusive, do ensaio 'Porque não sou cristão'. Penso que aceita basicamente a realidade de que as religiões reveladas não têm actualmente um sustentáculo, em termos históricos, como se chegou a crer noutros tempos. Ser crente hoje é apenas e basicamente uma questão de fé?
De facto, não se consegue, pela razão lógica, provar a existência de Deus. Mas o contrário também é verdade. Não se consegue provar a não existência de Deus. E aí todo o ateísmo contemporâneo, na linha de Bertrand Russell, acaba por falhar. Porque afirmar logicamente que Deus não existe também é levar a própria razão ao seu paradoxo. De maneira que, pela razão pura, ficamos num plano de igualdade. A toda a filosofia ateísta, nós podemos contrapor toda uma filosofia apologética.
Mais que ateísta, trata-se de uma filosofia agnóstica...
Mais que ateísta, trata-se de uma filosofia agnóstica...
A filosofia nunca é neutra, digamos. As procuras humanas, a procura do nosso pensamento e da nossa sensibilidade nunca é neutra, vai sempre procurando um sentido. Depois, dizer que não há um fundo histórico para as religiões reveladas parece-me um juízo demasiado radical no qual não me posso reconhecer. É verdade que o cristianismo pressupõe uma hermenêutica, uma interpretação, mas a interpretação não quer dizer que não exista um fundo histórico, pelo contrário. Toda a hermenêutica que o cristianismo pressupõe não joga contra ele, dizendo: afinal, tudo o que a Bíblia diz não aconteceu assim como está lá escrito: pelo contrário, essa hermenêutica acaba por jogar a favor de uma densidade de sentido, ou seja, é mais do que está lá escrito, não menos.
Os Evangelhos foram escritos à posteriori. Trata-se de relatos em segunda e em terceira mão. Como biblista, sabe que isto é verdade. Ao mesmo tempo, concedo que a Bíblia, do ponto de vista literário, inclui livros muitíssimo interessantes.
Os Evangelhos foram escritos à posteriori. Trata-se de relatos em segunda e em terceira mão. Como biblista, sabe que isto é verdade. Ao mesmo tempo, concedo que a Bíblia, do ponto de vista literário, inclui livros muitíssimo interessantes.
A Bíblia é um património não apenas do ponto de vista literário, mas também da verdade expressa. É claro que os Evangelhos foram escritos numa geração seguinte. Não são relatos de uma crónica de jornal acerca de Jesus, mas são em grande medida uma meditação sobre a vida de Jesus, sobre o seu significado. Do ponto de vista crente, isso é muito mais pertinente do que se tivéssemos uma pura ilustração, do que se pudéssemos ter um puro directo sobre os gestos e as palavras de Jesus. Porque aquilo que nos é dado é o testemunho de um significado que gerações posteriores colheram do que Jesus representou para mulheres e homens do mundo concreto.
É um lugar comum dizer-se hoje em dia que o mundo perdeu espiritualidade. A ascensão do ateísmo ou do agnosticismo é um dos factores. Outro são as pressões da vida moderna, e o facto de as pessoas questionarem hoje crenças que foram abraçadas sem questionar durante séculos. Ao mesmo tempo assiste-se ao vazio deixado por essa perda. As pessoas viram-se para fenómenos de auto-ajuda, como 'O Segredo'. E o seu livro 'O Tesouro Escondido'? Há quem o veja como um livro de meditação filosófica, e há quem o veja como um livro de auto-ajuda cristão...
É um lugar comum dizer-se hoje em dia que o mundo perdeu espiritualidade. A ascensão do ateísmo ou do agnosticismo é um dos factores. Outro são as pressões da vida moderna, e o facto de as pessoas questionarem hoje crenças que foram abraçadas sem questionar durante séculos. Ao mesmo tempo assiste-se ao vazio deixado por essa perda. As pessoas viram-se para fenómenos de auto-ajuda, como 'O Segredo'. E o seu livro 'O Tesouro Escondido'? Há quem o veja como um livro de meditação filosófica, e há quem o veja como um livro de auto-ajuda cristão...
Penso que hoje o lugar do religioso está em recomposição. O próprio mapa do cristianismo está-se a alterar. Há valores novos. Penso que é preciso saber ler a realidade. Por exemplo, acho que grande parte daqueles que caberiam na categoria de não praticantes, são cristãos culturais. Porque a cultura do homem contemporâneo no Ocidente é uma cultura muito marcada pelos valores, pelo imaginário, pela iconografia cristã. E, em determinados momentos, há zonas de abertura que se criam, para o religioso, que vale a pena atender e valorizar. Não partilho do juízo de que o mundo contemporâneo é um mundo em que a espiritualidade está em extinção. Vejo assinaladas formas de procura. Há uma grande sede espiritual. Há caminhos novos de procura com os quais é necessário entabular um diálogo. Há soluções que são imediatistas, como essas de que fala todo o sistema de auto-ajuda ou de soluções rápidas para as grandes questões da vida.
Mas ao mesmo tempo, por detrás de todos esses fenómenos, há coisas muito importantes, um desejo de busca, latente na nossa cultura. O meu livro, 'O Tesouro Escondido', é um trabalho de teologia, de espiritualidade cristã, mas ao mesmo tempo há uma atenção, uma curiosidade, em relação a estas buscas, que eu acho que é necessário atender. Uma pessoa que procura um livro de auto-ajuda... é preciso compreender aquele gesto, é preciso que se interrogue aquele gesto.
Ser crente, hoje em dia, implica buscar outras formas de pertença, já que há muita gente que renega a Igreja Católica, ou pelo menos aponta-lhe muitos defeitos?
Ser crente, hoje em dia, implica buscar outras formas de pertença, já que há muita gente que renega a Igreja Católica, ou pelo menos aponta-lhe muitos defeitos?
Hoje, a experiência cristã não está localizada ou paroquializada como estava há décadas atrás, isto é, não tem a firmeza dos contornos rituais, formais ou mesmo morais que teve numa época anterior. Hoje há uma mobilidade muito grande, as pessoas procuram, muitas vezes não ligam a prática cristã a um espaço ou a uma temporalidade específica, mas ao mesmo tempo não deixam de ter uma abertura, uma curiosidade, uma atenção em relação ao fenómeno religioso, e de investir aí uma parte importante do seu afecto, e da sua racionalidade. Com tudo isso, há zonas de afastamento, de esfriamento, de recomposição da própria prática religiosa.
Foi um dos criadores convidados para a exposição que assinalou, no Vaticano, os 60 anos da ordenação de Bento XVI enquanto sacerdote. O seu convívio coma Cultura expressa-se a vários níveis: como poeta, ensaísta, docente universitário... Também é próximo da comunidade artística. Qual o contributo que a Cultura pode dar para uma melhoria social?
Foi um dos criadores convidados para a exposição que assinalou, no Vaticano, os 60 anos da ordenação de Bento XVI enquanto sacerdote. O seu convívio coma Cultura expressa-se a vários níveis: como poeta, ensaísta, docente universitário... Também é próximo da comunidade artística. Qual o contributo que a Cultura pode dar para uma melhoria social?
A Cultura é essencial, porque coloca as questões de fundo. Não apenas as questões da sobrevivência... mas a Cultura abre-nos horizontes na procura de um significado para a vida. E precisamos disso. A Cultura não é apenas um ornamento nas nossas sociedades, e que em alturas de crise até podemos dispensar. A Cultura tem de acompanhar a nossa viagem pela história. Porque se em cada momento não somos ajudados, mobilizados, incentivados a levantar o olhar das nossas questões ou do nosso ponto de vista, e nos confrontarmos com o mundo, com a complexidade da vida, passarmos das questões penúltimas para as questões últimas, que é também o trabalho da Cultura, penso que ficamos muito mais pobres. Hoje a Cultura tornou-se uma indústria, e não um lugar de reflexão da condição humana, que eu acho que é a sua missão primeira.
Bento XVI, quando substituiu João Paulo II, foi bastante criticado, porque é tido como de uma ala mais conservadora, de um estilo diferente... um papa mais intelectual. É o papa para este tempo, quando muitos, mesmo dentro da Igreja Católica, defendem mudanças radicais?
Bento XVI, quando substituiu João Paulo II, foi bastante criticado, porque é tido como de uma ala mais conservadora, de um estilo diferente... um papa mais intelectual. É o papa para este tempo, quando muitos, mesmo dentro da Igreja Católica, defendem mudanças radicais?
Tem sido o papa para este tempo, tem-se imposto pela força do seu pensamento, que é tomado em consideração por crentes e não crentes, que respeitam a vitalidade, a honestidade e o vigor das suas propostas. Penso que tem sabido apontar caminhos de renovação e de aprofundamento, nesta hora que todos sentimos ser de encruzilhada. Não só dentro da Igreja, mas na cultura ocidental, em que sentimos que estamos a terminar uma época e a começar outra. Penso que é unânime perceber que temos de encontrar novos modelos, um novo enquadramento, porque aquilo a que estamos a assistir é de facto à falência estrondosa de modelos que até aqui serviram, mas que claramente já não são capazes de dar resposta às necessidades que se colocam.
E a alternativa, qual é?
E a alternativa, qual é?
Penso que ninguém tem na manga uma alternativa. Gostávamos que aparecesse um super-economista, um super-pensador, que nos resolvesse esta aparentemente irresolúvel dificuldade em que estamos mergulhados. Mas ao mesmo tempo, este espaço aberto, austero, em que não há soluções fáceis, é um tempo de grande criatividade. É talvez um tempo para a política se basear em valores de verdade, se renovar como exercício de cidadania, e ao mesmo tempo buscarmos com coragem novos modelos que conduzam este grande barco que é a Europa.
Tem desenvolvido actividade ensaística... E a sua poesia, para onde caminha?Conhecemos o percurso até agora, e o futuro?
Tem desenvolvido actividade ensaística... E a sua poesia, para onde caminha?Conhecemos o percurso até agora, e o futuro?
A gente diz que o futuro a Deus pertence. A poesia tem sempre um lugar muito importante... para mim, pessoalmente, é aquele lugar de combustão mais íntima da própria realidade. Tenho um projecto de um livro em comum com a poetisa Adília Lopes, sobre um jardim de Lisboa, o Jardim do Tourel. Pensamos, na próxima Primavera, publicar esse livro conjunto.
A sua poesia caminha para um desejo de encontro interior e de algo de que fala em alguns dos seus textos: a necessidade de silêncio. Hoje é uma necessidade que se sente, em meio a tanto ruído?
A sua poesia caminha para um desejo de encontro interior e de algo de que fala em alguns dos seus textos: a necessidade de silêncio. Hoje é uma necessidade que se sente, em meio a tanto ruído?
É uma necessidade que eu sinto. Tenho fome de silêncio.
Revoltas populares: "são campainhas, sinais de alerta"
Questionado sobre o modo como perspectiva os fenómenos de revoltas populares que se têm multiplicado em diversos países - como em várias nações árabes, nas quais têm estado associados a um desejo de mudança de regime, ou na Europa, onde reflectem insatisfação com a situação social e económica, e mesmo em relação ao recente caso da Inglaterra, que mais parece um caso de oportunismo sem sustentáculo ideológico, Tolentino Mendonça diz que "há sempre razões de ser" para estes acontecimentos. "Nada justifica a violência. Mas é preciso escutá-la, essa voz difícil, intransigente que nos chega.
Revoltas populares: "são campainhas, sinais de alerta"
Questionado sobre o modo como perspectiva os fenómenos de revoltas populares que se têm multiplicado em diversos países - como em várias nações árabes, nas quais têm estado associados a um desejo de mudança de regime, ou na Europa, onde reflectem insatisfação com a situação social e económica, e mesmo em relação ao recente caso da Inglaterra, que mais parece um caso de oportunismo sem sustentáculo ideológico, Tolentino Mendonça diz que "há sempre razões de ser" para estes acontecimentos. "Nada justifica a violência. Mas é preciso escutá-la, essa voz difícil, intransigente que nos chega.
Hoje, as nossas sociedades são muito fragmentárias, o comunitário diluiu-se, acaba por ser mais uma associação de interesses individuais do que propriamente a procura do bem comum a unir-nos e a mobilizar-nos em vista de uma construção do presente, e há uma multidão numerosa que se vai sentindo à margem, desintegrada e sem capacidade de integrar, digamos, o mundo do trabalho, o mundo dos direitos civis, o mundo da própria democracia.
O movimento dos indignados em Espanha, e este movimento em Inglaterra, mais adolescente, de pura raiva, são campainhas, sinais de alerta, que importa tomar em devida consideração. Não são apenas fenómenos isolados, casos de polícia; acho que são casos de sociedade e de civilização".
in Diário