terça-feira, 31 de agosto de 2010

Funchal tão vulnerável como no século XIX

A foto que acompanha este trabalho é, por si só, sintomática da vulnerabilidade da cidade do Funchal face à desertificação provocada pelos últimos incêndios.
As pedras soltas, sem sustentação, ameaçam rolar sem esforço encosta abaixo.

Raimundo Quintal, que tem estudado as aluviões na Madeira, refere que a cidade voltou a estar tão vulnerável como estava no princípio do século XIX. Ou seja, tão vulnerável como estava na altura das cheias em 1803.

Num artigo publicado na Revista 'Territorium', o geógrafo refere que "de todas as catástrofes que martirizaram os madeirenses, a maior foi a aluvião de 9 de Outubro de 1803. Segundo relatos da época, devem ter morrido devido à força bruta das águas cerca de 1000 pessoas, a maioria delas no Funchal. A cidade capital da Região Autónoma da Madeira naquela altura não teria sequer 25.000 habitantes!".

O mesmo artigo conclui que "uma situação meteorológica geradora dum temporal como o de 9 de Outubro de 1803 é perfeitamente possível em qualquer Outono ou Inverno", na Madeira.

Citando vários textos de testemunhas da altura, Raimundo Quintal destaca, no referido artigo, "que na origem de tão grande tragédia esteve uma situação atmosférica caracterizada pela existência de vento de SW, trovoadas e forte precipitação. A calvície das montanhas sobranceiras ao Funchal, bem visível nas gravuras da época, e a falta de encanamento das ribeiras dentro das áreas urbanas, funcionaram como causas para o agravamento da catástrofe".

Reflorestar em 2011

A vulnerabilidade da cidade do Funchal é também realçada por Hélder Spínola. O dirigente da Quercus reconhece que a situação é bem pior do que a 20 de Fevereiro e diz que nem será preciso chover tanto para que o material solto escorregue pela encosta abaixo. Isto com a agravante de algumas obras de recuperação estarem a afunilar ainda mais certos ribeiros e existirem muitas zonas ainda fragilizadas pelas cheias e desmoronamentos.
E o mais dramático é que agora é difícil resolver a situação. Hélder Spínola diz que o que havia a fazer teria de ter sido feito antes, apostando na prevenção ou no reforço dos meios de combate.

Sempre se pode dispor algum material de forma diferente, ou colocar os troncos carbonizados ao longo das linhas de quota, de forma a que não deslizem e que sirvam de barreira aos outros materiais.

Contudo, Hélder Spínola defende que todo este trabalho tem de ser feito com muito cuidado, em virtude do solo estar fragilizado e de as rochas estarem fragmentadas pelo calor dos incêndios.

Apesar de se falar em reflorestar tudo muito rapidamente, entende que tal não resolve o problema para o próximo Inverno e pode até piorar a situação.
Aliás, refere que, mesmo podendo ser mal interpretado, é da opinião que a reflorestação não deveria avançar já no terreno.

Hélder Spínola manifesta-se contra intervenções muito profundas, que poderiam piorar a situação em áreas já muito fragilizadas.

Nos casos mais complicados deveria haver uma tentativa de reter os materiais, mas, de resto, defende que se deveria deixar espaço à regeneração natural, apostando na sementeira de herbáceas indígenas e depois esperar que as primeiras chuvas não sejam muito fortes.

Fazer buracos para plantar árvores é, em seu entender, uma medida perigosa no estado actual em que estão os solos.

Diz mesmo que há que dar espaço à regeneração natural, com a ajuda de sementes de herbáceas indígenas, e então avançar com um plano de reflorestação, mas só no Outono de 2011. Hélder Spínola diz que esta não é a solução ideal, mas seria a mais segura.

In DIÁRIO
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Será que alguém vai ouvir os especialistas? Será que os governantes vão ouvir os técnicos que conhecem estas questões?

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