segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Entrevista a FERNANDO SAVATER

Em Espanha é uma voz sensata, um líder de opinião que muitos inspira. Esteve em Portugal para falar de educação e da necessidade de uma revolução profunda.

Entrevista Cristina Margato

Espanha é quase uma figura pop. Não só pela sua atividade política no ¡Basta Ya! (movimento de cidadãos contra o terrorismo), como pelas suas crónicas no “El País” desde a fundação do jornal. Foi também fundador do partido “Unión Progreso y Democracia”.
A entrevista comprovou-o. Fomos várias vezes interrompidos por turistas espanhóis que estavam decididos a não voltar para casa sem uma fotografia ao lado dele. Fernando Savater (San Sebastián, 1947) tem inúmeros livros, alguns mais polémicos do que outros, e é muitas vezes apresentado como filósofo. Ele, porém, prefere apresentar-se como Professor de Ética: um educador, portanto, que esteve em outubro em Lisboa e Faro, a convite da Fundação Francisco Manuel dos Santos, para falar nas Conferências da Educação que o professor Nuno Crato organiza.
E Fala na necessidade de uma revolução, que deve começar pela educação. Em concreto, o que tem de mudar?

Defendo a criação de uma disciplina de Educação Cívica que introduza a capacidade de agir em democracia, Deve haver uma preparação que forme cidadãos capazes de utilizar os mecanismos da democracia. Não se pode esperar que a televisão faça isso. Em Portugal, o ensino público, prevê, desde o básico, a disciplina opcional de Religião e Moral. Nalguns casos, o programa esta orientado para cidadania, embora enraizado nos valores católicos.
O que pensa disso?
Em Espanha, isso aconteceu durante a ditadura. Mas era obrigatório. Com a democracia passaram a existir duas disciplinas: Religião ou Moral/Ética. O meu livro “Ética para um Jovem” (Dom Quixote, 2005) pretendia servir como alternativa à religião. A ética é para todos. Não é exclusiva dos religiosos. Logo, essa opção parece-me um grande equívoco. Deixa de fora os laicos e as restantes religiões. Como a sociedade democrática deve ser laica, não há razão que justifique a presença da religião católica na escola pública. A religião é um assunto privado, que deve ficar na sinagoga, na paróquia, na mesquita.
Deveria extinguir-se a disciplina, mesmo opcional?

Sim. Sem dúvida. Poderia existir uma disciplina de Ética mais filosófica e uma de Ética Cívica.
A partir de que idade?

Tudo se pode explicar desde que a linguagem seja adequada à idade. Aos seis anos já pode ter uma disciplina assim.
Se a escola estivesse organizada em ambiente democrático, os estudantes não poderiam aprender a cidadania pelo exemplo e prática?
A escola não é democrática. Nem deve sê-lo. A escola é a preparação para a democracia. Uma aula é hierárquica. O professor está sempre acima dos alunos. A escola deve estar a preparar os jovens para ser cidadãos. A escola não tem os mecanismos da democracia nem deve ter.
O modelo atual também já não é ditatorial. A escola vive em estado de crise. A escola sempre viveu em crise. Os escritores do século XVIII já falavam nessa crise.
A escola anda sempre atrás da sociedade, na medida em que os professores foram educados no passado e tem de educar para o futuro. Essa crise é a da sociedade. As pessoas que transmitem conhecimento, e preparam o futuro, vêm do passado, e eles próprios estão a lutar para se colocarem à altura da sociedade em que vivem.
Em Portugal, os professores já perderam as suas defesas.
Em Espanha, e noutros países europeus, aconteceu o mesmo. Há uma teoria, uma tendência, que iguala os professores aos alunos e que faz com que os professores percam o respeito dos alunos. Convencionou-se que o professor tem de inspirar respeito dentro da aula. Ora, se o professor tem tanta autoridade como o aluno a aula não funciona.
Fez o prefácio do “Panfleto Anti-Pedagógico” de Ricardo Moreno Castillo, onde ele defende um modelo de professor mais autoritário e, logo, mais antigo.

Moreno Castillo defende um modelo de professor que seja possível dentro de uma sala de aula. As aulas não são uma reunião de amigos nem um recreio. São um lugar onde se transmite conhecimento. Toda a gente aceita e entende que um treinador de futebol dê ordens aos seus jogadores. Já o mesmo modelo numa escola parece que começou a ser (erradamente)
entendido como algo escandaloso.

Sublinha a crescente influência maléfica dos ignorantes no rumo da democracia.
O problema é que numa democracia todos somos políticos. Não há uns especialistas que mandam e outros que são guiados. Logo, todos temos de ter algum conhecimento para poder intervir na sociedade. Se a maioria é completamente ignorante não pode argumentar nem entender a argumentação. Há que evitar essa situação e aumentar o nível médio de conhecimento para que
todos possam intervir com competência.
E não cair na facilidade do discurso demagógico...
Um ignorante segue sempre o que é prometedor. As pessoas que não têm conhecimentos sobre
nutrição preferirão sempre quilos de alimentos mais saborosos, embora com efeitos nocivos para a sua saúde. Se der a uma criança uma sopa nutritiva ou um prato de doces, ele escolherá o prato de doces, porque não sabe que lhe faz mal. Isso também acontece à escala dos adultos. Se um político promete o céu e a terra, de uma forma inverosímil mas atrativa, e outro exige sacrifícios de forma realista, para conseguir um país mais forte para todos, os ignorantes obviamente preferirão o primeiro.
Tem alguma ideia de qual é a representação percentual dessa massa de ignorantes numas eleições?

Não sei determinar. Mas o sintoma mais alarmante dessa ignorância pode ser medido nas televisões. Em Espanha, os programas de debate discutem os amores de fulana e beltrano. Há
uma mulher em Espanha que é um fenómeno mediático. É famosa apenas pela sua ignorância cósmica e por dizer os maiores disparates. No entanto, uma sondagem feita numa rádio determinou que muitos espanhóis votariam nela para primeira-ministra. Na sequência disto, a rádio ligou-me para opinar sobre o assunto. “Vocês acreditariam que os mesmos espanhóis votariam nela para treinadora da seleção nacional?”, perguntei. E a resposta que obtive foi: “Não, claro que não! O lugar de treinador da seleção é um posto demasiado sério!” Ou seja, quando falamos de coisas sérias falamos de futebol, e quando falamos de política tudo é possível. Este tipo de degradação do discurso é muito grave; e esse é o problema.
Também diz muito dos políticos ou da perceção dos políticos.

Os políticos somos todos nós. Se os políticos que ocupam os cargos são incompetentes, somos nós que os elegemos, e fomos nós, que apesar de acreditarmos que podemos ser melhores do que eles não nos oferecemos para o lugar deles. Os políticos não são seres de outro planeta que desceram à terra para nos dificultar a vida.


Li no blogue Olho de Fogo

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