sábado, 3 de novembro de 2007

Homem sem rua

Pintura de Rembrandt, o mendigo


O homem
mendigo sem rua
adormece sob a costura do mundo
sem nunca perder o sorriso
que arde frio na imaginação da noite

estende o leito
com o jornal da tarde de longos dias
onde abandona o corpo desgastado pelo desejo

abafa
a notícia sempre mais além
e não consegue ler que a vida é nada
mas pior ainda
não descobre a tempo que o seu destino não chega a nascer
e se nascesse
decidiria envelhecer na orla oposta à felicidade

o homem
mendigo sem rua
cerra a luz perdida
no olhar cansado de uma vontade
até ao dia da libertação da notícia espezinhada.

Rui Caetano

10 comentários:

Tiago R Cardoso disse...

Muito bom...

Anónimo disse...

Então o sr. não tem nada a dizer sobre a Res Pública?

António Inglês disse...

Achei oportuno este poema de Fernando Saiote penso. Aqui fica.


Um cão trôpego que percorre a praia
De olhar abandonado e infeliz,
Um velho pescador que olha o infinito
Que se distrai a coser as redes da faina.
Esconde-se o Sol impiedoso que aqui reina,
Esgota-se-me o pensamento... medito!
Ouço curioso o que a consciência me diz,
Duvido de mim e dos da minha laia.

Consumo um breve olhar de estupidez,
Uma prostituta que se esgueira na janela,
O seu perfil debaixo de uma luz fosca...
Fraco o negócio, vê-se no cabelo desgrenhado.
Não tenho nada, sou vadio, estou abandonado!
Gozo o que me resta desta vida tosca,
Faço do meu passado uma sequela,
Enlouqueço... passo-me de vez.

Lembro de repente o que não cheguei a ser,
Do ralhar dos meus pais à noite, à ceia,
Da correria que fazia com os meus irmãos,
Não distingo mentira de verdade.
Sinto a velhice nesta tenra idade,
No olhar desses homens que julgo sãos.
Vejo assustado o sangue a correr na veia,
Vejo que um dia podia ter aprendido a ler.

Quis ser médico, outras vezes soldado,
Quis ser qualquer coisa, até mesmo gente
E nada sou... navego triste na vida,
Esqueço-me dela o vinho e no cigarro.
Existência ténue que já não agarro,
A que estendo esta mão tremida.
Procuro alguém que seja inteligente,
Alguém que de mim se possa ter lembrado.

Um abraço e bom fim de semana
José Gonçalves

Silvia Madureira disse...

Homem mendigo...uma vida sem vida.
Infelizmente.

beijo

FERNANDINHA & POEMAS disse...

Olá Rui, Adorei!!!
Muitos beijinhos,
Fernandinha

fgiucich disse...

Cuántos hay que cansados de luchar, se resignan y van cayendo, escalón por escalón, hasta la miseria absoluta. Abrazos.

avelaneiraflorida disse...

caro Rui,

Excelente post!

Não o quer enviar para o SOS Miséria?
Acho que seria um bom apelo...

BOM FIM DE SEMANA!

Juℓi Ribeiro disse...

Rui:

Poema repleto de sensibilidade
e talento.
Palavras que emocionam e nos levam a refletir sobre a realidade.
Para meu comentário uma palavra
só bastaria:
Perfeito.

Um abraço de sua amiga de além-mar.

Avid disse...

Adorei...
Bjs meus

Fernando Jorge Matias Saiote - Montemor-o-Novo disse...

É com prazer que vejo alguém usar algo escrito por mim. Agradeço ao José Gonçalves.

Fernando Saiote