
"A Comissão Europeia adoptou o projecto de uma declaração supra-institucional que estabelece o Dia Europeu contra a Pena de Morte a ser celebrado a 10 de Outubro, todos os anos" (in: Jornal de Notícias).
Quando ouço debaterem a questão da pena de morte, ressalta-me, de imediato, à memória o romance de Victor Hugo O Último Dia de um Condenado que lera no meu primeiro ano da Universidade, na UCP, aconselhado pelo meu excelente professor de Literatura, Dr. Silva Pereira.
Até à leitura desta magnífica obra, defendia, embora com imensas dúvidas, a condenação à pena de morte, mas depois de O Último Dia de um Condenado alterei completamente a minha ideia, extingui as minhas hesitações.
Aprendi com a voz daquele homem condenado à pena capital que este tipo de sentença é cruel, imoral, ineficaz, injusto e não tem qualquer sentido humano.
Alguns excertos:
"Condenado à morte!
Já vão cinco semanas que convivo com tal pensamento, sempre só com ele, sempre petrificado pela sua presença, sempre encurvado sob o seu peso!Outrora, pois me parece que faz anos e não semanas, eu era um homem como outro qualquer. Cada dia, cada hora, cada minuto tinha a sua ideia. O meu espírito, jovem e rico, era repleto de fantasias (...)
Sim, a morte! E, aliás, repetia-me não sei que voz interior, o que arrisco dizendo isso? Nenhuma sentença de morte foi jamais pronunciada em circunstância outra que à meia-noite, sob a luz de tochas, em uma sala escura e negra, numa noite chuvosa e fria de inverno! Mas no mês de agosto, às oito horas da manhã, num dia tão bonito, esses bons jurados, impossível! E os meus olhos voltavam a se fixar na delicada flor amarela banhada de sol (...)
E depois, o que escreverei assim talvez não seja inútil. O diário dos meus sofrimentos, hora a hora, minuto a minuto, suplício a suplício, se eu tiver a força de conduzi-lo até o momento em que será fisicamente impossível continuar, esta história necessariamente inacabada, mas tão completa quanto possível, das minhas sensações, não carregará consigo um grande e profundo ensinamento? (...)
Enquanto escrevia tudo isso, a luz da lamparina empalideceu, o dia chegou, o relógio da capela soou seis horas.O que isso significa? O carcereiro de turno acaba de entrar na minha cela, tirou o seu chapéu, saudou-me, pediu desculpas por me perturbar e perguntou-me, suavizando o quanto pôde a sua rude voz, o que eu desejava almoçar... Um calafrio correu o meu corpo. Vai ser hoje? (...)
Pobrezinha! Teu pai que te amava tanto, teu pai que beijava o teu pescocinho branco e perfumado, que passava sem parar as mãos nos cachos dos teus cabelos como sobre uma seda, que pegava teu lindo rostinho redondo nas mãos, que te balançava nos joelhos e, de noite, unia as tuas duas mãozinhas para rezar a Deus!Quem te fará tudo isso agora? (...)
Ora! Vamos, coragem diante da morte, tomemos esta terrível ideia com as duas mãos e consideremo-la de frente. Perguntemos a ela o que ela é, saibamos o que ela quer connosco, esmiucemo-la por todos os lados, perscrutemos o enigma e olhemos antecipadamente para dentro do túmulo".